terça-feira, 4 de maio de 2010

Conservação do Lince - Ibérico em Portugal

Luís Palma (21-03-2000)

Este é o meu avô paterno, que é biólogo investigador terrestre e estudou durante muitos anos o lince da Malcata.

Breve história da situação do Lince-ibérico em Portugal, e uma visão crítica sobre a conservação do felino mais ameaçado do mundo, apresentada pelo Dr. Luís Palma da Universidade do Algarve.

INTRODUÇÃO

Em 1500 a.C. o Lince-ibérico (Lynx pardinus) ocupava toda a área entre Portugal e o Cáucaso, confinando-se posteriormente à Península Ibérica, que ocupava na totalidade em meados do séc. XIX, sendo ainda muito comum no sul no início do séc. XX. Actualmente é o carnívoro mais ameaçado da Europa e o felídeo mais ameaçado do mundo.
Lince-ibérico é uma espécie especializada, dependente dos bosques e matagais densos com pouca presença humana para abrigo, e do Coelho-bravo, o qual constitui 80-100% da alimentação. O habitat ideal de ambas espécies é o mosaico de matagal denso e pequenas clareiras fomentado pela agro-pecuária tradicional. A escassez de coelhos impede o Lince de se reproduzir e provoca o seu desaparecimento progressivo.
Entre 1960 e 1990, perdeu-se 80% da sua área de ocorrência, tendo algumas populações perdido até 75% dos efectivos em 10 anos. Da actual população ibérica, extremamente fragmentada, de 800-1000 indivíduos, apenas existem em Portugal (segundo dados anteriores a 1998) 40-53, distribuídos por 5 pequenas populações: Algarve/Odemira (19-23 indivíduos), Vale do Sado (6-8), Malcata (7-9), S. Mamede (4-6) e Guadiana (4-7), as últimas três em contacto com populações espanholas. Ocorre também com estatuto indeterminado no Gerês, Montesinho, pinhais de Mira e Serra de Ossa. Dados recentes indicam que o declínio prossegue, pelo menos na Malcata, onde se encontra quase extinto.

CONSERVAÇÃO

Em Portugal, a presente situação resultou da perseguição activa (anos 40-70); da destruição do habitat pela agricultura, em especial na "campanha do trigo" (anos 30-50); das epidemias de mixomatose (anos 60-70) e Doença Hemorrágica Viral (DHV) (anos 90) no Coelho-bravo; do declínio da agricultura e pecuária tradicionais (1960-70) e da "eucaliptização" (1970-80).

Plano de Acção para a Conservação do Lince-ibérico na Europa (Conselho da Europa/WWF) e as Bases para a Conservação do Lince-ibérico em Portugal (ICN) expressam claramente o caminho para evitar a extinção do lince-ibérico:
- Definir uma "Região do Matagal Mediterrânico (RMM)" coincidente com a distribuição potencial do lince, onde deverão ser desenvolvidos programas de conservação de longo-termo;
- Corrigir as políticas florestais, focando a conservação, gestão sustentada e revalorização económica do matagal mediterrânico;
- Declarar Sítios Natura 2000 em todas as áreas de ocorrência e respectivos corredores de ligação e prevenir a sua degradação;
- Evitar a construção de barragens e rodovias em áreas de lince;
- Impor Estudos de Impacto Ambiental a novas actividades em áreas de lince;
- Promover usos do solo e práticas venatórias que fomentem o Coelho-bravo;
- Fiscalizar eficazmente a caça, reduzindo o abate ilegal e banindo o uso de métodos não-selectivos de captura de carnívoros;
- Dirigir campanhas de divulgação a grupos prioritários: gestores, técnicos florestais, proprietários rurais, caçadores;
- Promover a investigação sobre o Lince, o bosque e matagal mediterrânico e o Coelho-bravo.

Entretanto, o que se passa em Portugal?

- Só uma ínfima parte da população de lince se inclui em áreas protegidas, e só na Malcata têm sido aplicadas, de forma sectorial e descontínua, medidas de melhoramento do habitat;
- Foram desprezadas na proposta de Rede Natura 2000 áreas importantes para a recuperação das populações de lince, como a área de Luzianes (Odemira) e a Serra de Penha Garcia, entre outras.
- Não há Planos de Gestão dos Sítios Natura 2000 nem medidas preventivas da sua degradação, que se tem agravado significativamente.
- Não avançou o Plano Nacional de Conservação do Lince nem tentativas de correcção da aplicação dos fundos comunitários, nomeadamente ao nível florestal;
- Não existem medidas significativas de recuperação do Coelho-bravo;
- Não existem acções de divulgação dirigidas a grupos-alvo prioritários;
- Não se prevêem incentivos, nomeadamente através de planos zonais, eficazes para promover a conservação do Lince e do seu habitat;
- A actual proposta de traçado da auto-estrada do sul (A2) na Serra do Caldeirão, continua a atravessar habitats sensíveis;
- A construção da barragem de Odelouca destruirá uma área importante de habitat, sem medidas compensatórias aceitáveis;
- As práticas ilegais dentro das ZCEs continuam em agravamento;
- A investigação sobre o bosque e matagal mediterrânico é incipiente, demasiado sectorial ou inexistente, sendo duvidosa a continuidade da investigação sobre o Lince e o Coelho-bravo.

Neste momento o meu avô está a estudar a águia de Bonelli.


Mara Morgado

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